segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O Grande Mentecapto

O Grande Mentecapto é um romance do escritor brasileiro Fernando Sabino publicado em 1979; narra as aventuras de Geraldo Viramundo, espécie de Dom Quixote de La Mancha brasileiro, que percorre Minas Gerais.

O início do livro mostra que Geraldo foi um menino como qualquer outro, tivera suas maluquices e peraltices, porém a história se desenvolve a partir das consequências de uma aposta entre Viramundo e seus amigos de que conseguiria fazer o trem parar em seu município, já que Rio Acima (a cidade do menino) não era originalmente ponto de sua parada. A narrativa apresenta diversas referências quixotescas, e de modo cômico e emocionante retrata como a vida pode surpreender quando menos se espera.

O livro foi adaptado ao cinema por Oswaldo Caldeira em 1989, com com o mesmo nome.

domingo, 12 de novembro de 2017

Capitães da Areia

Capitães da Areia é um clássico na temática das crianças desprovidas de qualquer amparo social, legadas ao destino incerto dos que são propositalmente marginalizados, erradicados do convívio social. A trajetória dos meninos, que enfrentam os representantes do poder e roubam dos ricos para partilhar o produto do furto entre os companheiros pobres e abandonados, constitui uma das principais obras de Jorge Amado.
Este grupo, que sobrevive de apropriações indébitas e golpes sem maior importância, desfila pelas ruas da cidade alta na Bahia, cada integrante exibindo apelidos que traduzem atributos físicos ou, no caso do Professor, virtudes intelectuais, o único membro da gangue dotado de dons culturais.

Jorge Amado aborda este universo de uma forma cruel, sem maiores concessões ou sentimentos compassivos. Ele os revela exatamente como são e vivem, com vibração, guiados por uma estrita racionalidade e altas doses de arbítrio e firmeza, virtudes não restringidas pelo contexto adverso em que vivem.

Personagens como o líder dos Capitães, o loiro Pedro Bala, surpreendentemente rápido, o que justifica seu codinome; Pirulito, constantemente obcecado com a purificação dos pecados; o sensual Gato, que acalenta o desejo de se transformar em cafetão; e Professor, o amante das letras, assim como os demais membros do grupo, são desenvolvidos com maestria pelo autor, que aprofunda sem hesitar o perfil de cada um.

Dora é a única personagem feminina que se sobressai, pois é o ponto de contato deste universo masculino com a esfera feminina; por uns, é vista como irmã, por outros, é a imagem maternal. Para Pedro Bala ela é a mulher ideal, sua amada. Percorrendo as ruas da cidade e o caminho do mar, os Capitães da Areia estão sempre ocultos aos olhos dos poderosos. Eles encontraram seu próprio caminho no desafio à ordem constituída.

Cada um destes garotos terá a rua como educadora, a vida como mestre, a exclusão como metodologia de formação, e assim vão crescer, e se tornar homens, na prática de atividades ilícitas e no amadurecimento afetivo, seja ao lado de mulheres ou de outros rapazes. Pedro Bala, em sua trajetória existencial, passará de jovem marginal a líder comunista.

Embora desafiem constantemente a lei, os meninos se integram na cultura e na religião locais, reverenciando tanto o catolicismo, culto oficial, ao interagirem sem problemas com o padre José Pedro, quanto com o candomblé, rito alternativo e tradicional na Bahia, ao se relacionarem tranquilamente com a Mãe de Santo Aninha.

Paradoxalmente, nem as autoridades, nem o clero se dispõem a confrontá-los e persegui-los, a não ser quando atingem personalidades significativas. Os meios de comunicação, ocasionalmente, disseminam suas necessidades, mas preferem, a maior parte das vezes, culpá-los pela situação em que se encontram.
 

O tempo e o vento

Esta é a obra magna de Erico Verissimo, autor gaúcho cujo nome não tem acento, mas que tem assento definitivo na história da literatura brasileira como um dos nossos maiores escritores. A história deste livro, que é uma mescla de ficção e realidade, começa no ano de 1895, com a guerra entre republicanos (pica-paus) e federalistas (maragatos), com o cerco da família Terra-Cambará (republicanos) pela família Amaral (federalistas), que termina sendo vencida pelos republicanos. Depois volta para o ano de 1775, com as missões religiosas espanholas de catequisação indígena no sul do Brasil, em que se destaca o místico Pedro Missioneiro, filho de uma índia com um bandeirante, por quem Ana Terra se apaixonará, nesta estória que retrata a alma gaúcha, a história do Rio Grande do Sul e, em última instância, do Brasil. Esta coletânea, O Tempo e o Vento, é composta por sete volumes que formam uma trilogia: O Continente (vols. 1e 2, que diz respeito à conquista da terra e à formação da família, com seus valores sólidos), O Retrato (vols. 3 e 4, que constituem a fase do individualismo, expresso no quadro com a pintura do capitão Rodrigo, na parede do sobrado), e, por fim, O Arquipélago (que retrata a desagregação total do continente e da família e que se encerra nos anos de 1945, com o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas). Considerando o recuo ao período das missões jesuítas, de 1775, até 1945, são cerca de 200 anos de história do Brasil, romanceadas por este grande escritor! Seu filho, Luis Fernando Verissimo, disse que o seu pai levou 15 anos para escrever essa obra, repleta de personagens marcantes e inesquecíveis, cuja primeira parte (O Continente) foi transformada em minissérie, em 1985, e em filme, no ano de 2013. As adaptações ficaram muito boas, mas não se comparam ao prazer e à profundidade de ler a história expressa nesta obra magistral! Sobre o autor, destaca-se que Erico Verissimo sempre foi um pacifista, mesmo ao retratar guerras, e esta história, que se destaca a bravura masculina, em especial do gaúcho, é contada sobretudo a partir de mulheres fortes, como Ana Terra e sua neta Bibiana, que são peças chave na resistência e permanência da família! Este não é um livro regionalista, como o eram os livros brasileiros da década de 30, em que imperava uma linguagem e uma ambientação mais restritos e caricaturais. Esta série tem a sua fase rural, no sul do país, e depois urbana, na capital federal, à época no Rio de Janeiro. Aqui as personagens são humanas, universais e falhos, com defeitos e qualidades que oscilam. As formas narrativas e os períodos retratados também oscilam. O que não oscila é a qualidade da prosa de Erico Verissimo, a qual, nesta coletânea, traz a sua expressão máxima!
 

Grande Sertão: Veredas

Grande Sertão: Veredas é um livro de João Guimarães Rosa escrito em 1956. Pensado inicialmente como uma das novelas do livro Corpo de Baile, lançado nesse mesmo ano de 1956, cresceu, ganhou autonomia e tornou-se um dos mais importantes livros da literatura brasileira e da literatura lusófona. No mesmo ano, Rosa também lançou a quarta edição revista de Sagarana. Em 2006 o Museu da Língua Portuguesa realizou uma exposição sobre a obra no Salão de Exposições Temporárias, cujas fotos ilustram o artigo. Em maio de 2002, o Clube do Livro da Noruega, entidade que congrega editores noruegueses, incluiu Grande Sertão: Veredas em sua lista dos cem melhores livros de todos os tempos - único brasileiro entre 100 escritores de 54 países.


Trechos pendurados de Grande Sertão: Veredas, a obra-prima de Guimarães Rosa, no Salão de Exposições Temporárias do Museu da Língua Portuguesa.
A grandiosidade de Grande Sertão: Veredas pode ser exemplificada pelas interpretações, que a abordam sob os mais variados pontos de vista, sem jamais deixar de ressaltar a capacidade e a confiança do autor ao ser inventivo. Extremamente erudito, Rosa incorporou em sua obra aspectos das mais diferentes culturas. Disse uma vez que “para estas duas vidas [viver e escrever], um léxico só não é suficiente”.
Grande Sertão: Veredas gira em torno do jagunço Riobaldo, também conhecido como Tatarana ou Urutu-Branco, narrador-protagonista do livro. Há na obra dois pontos aos quais o narrador se apega:

Diadorim: um também jagunço com quem Riobaldo estabelece uma relação diferenciada, que se coloca nos limites entre a amizade e o relacionamento afetivo de um casal.

O pacto com o demônio: estabelecendo uma relação de intertexto com a história do Doutor Fausto. A dúvida se o pacto teria se concretizado ou não (afinal, Lúcifer não se faz presente) incomoda o narrador e o leva a questionamentos profundos como a existência do diabo – e, por consequência, de Deus. Por outro lado, tal pacto pode ser atribuído também à Exu, o primeiro Orixá do Candomblé, das Encruzilhadas, local inclusive onde se realizou o pacto, bem com outras divindades indígenas e da cultura cabocla.

A narrativa é construída com acentos e jeitos sertanejos, característica típica do Romance Brasileiro Moderno escrito a partir "da década de 1930. O narrador conta a história a um interlocutor desconhecido, que nunca se pronuncia, a quem ele chama "Senhor, "Moço" ou "Doutor".

Em sua narrativa, intérprete dos segredos das veredas, Riobaldo tece a história de sua vida – um discurso de descoberta e autoconhecimento: revelando o sertão-mundo, revela-se a si próprio, como se dissesse “o sertão sou eu” para reconhecer-se. Nessa perigosa travessia, Riobaldo confronta as forças do bem e do mal, retoma num fluxo de memória o fio de sua vida e narra as grandes lutas dos bandos de jagunços, descreve os feitos e características de diversos personagens e revela os códigos de honra e de procedimentos do sertão.

A narrativa não segue uma forma linear, mas podemos depreender dela muito da história de Riobaldo. Conta ele que depois da morte da mãe, uma mulher pobre que vive como agregada em uma grande fazenda no interior de Minas, passou a morar com seu padrinho, Selorico Mendes. Enquanto vive sob a guarda do padrinho, Riobaldo recebe formação escolar básica pelas mãos de Mestre Lucas, em Curralinho. Ao voltar para a fazenda de Selorico Mendes, conhece o bando de jagunços de Joca Ramiro a quem o padrinho oferece pouso. Dentre eles estão Hermógenes e Ricardão.

Riobaldo vislumbra-se com o "sistema jagunço" e o tempo em que passou entre os homens de Joca Ramiro é fundamental para o resto de sua vida. Mais tarde, perplexo por descobrir que Selorico Mendes provavelmente era seu verdadeiro pai, foge de casa para Curralinho, onde, graças a Mestre Lucas, conhece Zé Bebelo.

Zé Bebelo, que sonha em pacificar o sertão e acabar com os jagunços e em ser eleito deputado, passa a ter uma relação ambígua com Riobaldo. Ao mesmo tempo em que Riobaldo é professor "de letras e números" de Zé Bebelo, este ensina a Riobaldo sobre os meandros do "sertões das gerais" (sul da Bahia, norte de Minas Gerais e norte e nordeste de Goiás).

Após temporada acompanhando Zé Bebelo, Riobaldo percebe que seu lugar é, desde que conheceu Joca Ramiro, junto aos jagunços, que, ironicamente, tanto perseguia. Resolve, então, desertar e seguir o rastro dos homens de Joca Ramiro.

Nessas idas e vindas, reencontra uma personagem que conheceu na infância num episódio que é marco narrativo da obra: conhecido pelos jagunços como Reinaldo, apresenta-se a Riobaldo como Diadorim. O narrador reconhece que existe entre ele e Diadorim uma relação diferente da que se podia haver entre os jagunços. É ele que introduz Riobaldo ao bando de Joca Ramiro.

Luzia-Homem

Luzia-Homem é um romance do escritor brasileiro Domingos Olímpio, publicado em 1903.

Luzia-Homem é um exemplo do naturalismo regionalista. Passado no interior do Ceará, nos fins de 1878, durante uma grande seca, vai contando a história da retirante Luzia, mulher arredia, de grande força física (o apelido Luzia-Homem provém desta força que lhe permitia trabalhar melhor que homens fortes).

Marcado pela fala característica dos personagens, Luzia-Homem mantém duas características clássicas do naturalismo por toda obra: o cientificismo na linguagem do narrador; e o determinismo, teoria de que o homem é definido pelo meio.

Luzia trabalha na construção de uma prisão e é desejada pelo soldado Capriúna. Mas Luzia não se interessa por amores e mantém uma relação de amizade e ajuda mútua com Alexandre. Após Alexandre propor-lhe casamento (por toda a história Luzia reluta em admitir que gosta de Alexandre), é preso por roubar o armazém que guardava. Luzia passa visitar-lhe na prisão e sua amiga, a alegre Teresinha, cuida de sua mãe doente. Após um certo tempo, Luzia pára de visitar Alexandre na prisão.

Teresinha descobre que Capriúna era o verdadeiro ladrão, e uma das assistentes de Luzia (ela havia sido dispensada e depois voltara ao trabalho, mas como costureira) lhe diz que a testemunha contra Alexandre mentia; o culpado é preso. A família de Teresinha aparece (ela havia fugido de casa com um amante que morreu meses depois) e ela, humilhada, fica subserviente a eles, especialmente ao pai, que a rejeita. Luzia descobre isto e, depois de um interlúdio, convence-a a viajar com ela, migrando para o litoral. No caminho Capriúna se liberta e vai atacar Teresinha, a culpada de sua prisão. Encontrando Luzia, mata-a e acaba caindo de um desfiladeiro.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 — Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908) foi um escritor brasileiro, amplamente considerado como o maior nome da literatura nacional.Escreveu em praticamente todos os gêneros literários, sendo poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário.Testemunhou a mudança política no país quando a República substituiu o Império e foi um grande comentador e relator dos eventos político-sociais de sua época.
Nascido no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, de uma família pobre, mal estudou em escolas públicas e nunca frequentou universidade.Os biógrafos notam que, interessado pela boemia e pela corte, lutou para subir socialmente abastecendo-se de superioridade intelectual.Para isso, assumiu diversos cargos públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras poesias e crônicas. Em sua maturidade, reunido a colegas próximos, fundou e foi o primeiro presidente unânime da Academia Brasileira de Letras.
Sua extensa obra constitui-se de nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas.Machado de Assis é considerado o introdutor do Realismo no Brasil, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881).Este romance é posto ao lado de todas suas produções posteriores, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires, ortodoxamente conhecidas como pertencentes a sua segunda fase, em que se notam traços de pessimismo e ironia, embora não haja rompimento de resíduos românticos. Dessa fase, os críticos destacam que suas melhores obras são as da Trilogia Realista.Sua primeira fase literária é constituída de obras como Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, onde notam-se características herdadas do Romantismo, ou "convencionalismo", como prefere a crítica moderna.
Sua obra foi de fundamental importância para as escolas literárias brasileiras do século XIX e do século XX e surge nos dias de hoje como de grande interesse acadêmico e público.Influenciou grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Drummond de Andrade, John Barth, Donald Barthelme e outros.Em seu tempo de vida, alcançou relativa fama e prestígio pelo Brasil, contudo não desfrutou de popularidade exterior na época. Hoje em dia, por sua inovação e audácia em temas precoces, é frequentemente visto como o escritor brasileiro de produção sem precedentes, de modo que, recentemente, seu nome e sua obra têm alcançado diversos críticos, estudiosos e admiradores do mundo inteiro. Machado de Assis é considerado um dos grandes gênios da história da literatura, ao lado de autores como Dante, Shakespeare e Camões.
Machado de Assis nasceu no dia 21 de junho de 1839 no Morro do Livramento,23 Rio de Janeiro do Período Regencial, então capital do Império do Brasil.Seus pais foram Francisco José de Assis, um mulato que pintava paredes, filho de escravos alforriados, e Maria Leopoldina da Câmara Machado, lavadeira portuguesa dos Açores.Ambos eram agregados da Dona Maria José de Mendonça Barrozo Pereira, esposa do falecido senador Bento Barroso Pereira, que abrigou seus pais e os permitiu morar junto com ela.As terras do Livramento eram ocupadas pela chácara da família de Maria José e já em 1818 o terreno começou a ser loteado de tão imenso que era, dando origem à rua Nova do Livramento.Maria José tornou-se madrinha do bebê e Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, seu cunhado, tornou-se o padrinho, de modo que os pais de Machado resolveram homenagear os dois nomeando-o com seus nomes.Nascera junto a ele uma irmã, que morreu jovem, aos 4 anos, em 1845.Iniciou seus estudos numa escola pública da região, mas não se mostrou interessado por ela.Ocupava-se também em celebrar missas, o que lhe fez conhecer o Padre Silveira Sarmento, que, segundo certos biógrafos, se tornou seu mentor de latim e amigo.
Em seu folhetim Casa Velha, publicado de janeiro de 1885 a fevereiro de 1886 na revista carioca A Estação, e publicado pela primeira vez em livro em 1943 graças à Lúcia Miguel Pereira, Machado fornece descrição do que seria a casa principal e a capela da chácara do Livramento: "A casa, cujo lugar e direção não é preciso dizer, tinha entre o povo o nome de Casa Velha, e era-o realmente: datava dos fins do outro século. Era uma edificação sólida e vasta, gosto severo, nua de adornos. Eu, desde criança, conhecia-lhe a parte exterior, a grande varanda da frente, os dois portões enormes, um especial às pessoas da família e às visitas, e outro destinado ao serviço, às cargas que iam e vinham, às seges, ao gado que saía a pastar. Além dessas duas entradas, havia, do lado oposto, onde ficava a capela, um caminho que dava acesso às pessoas da vizinhança, que ali iam ouvir missa aos domingos, ou rezar a ladainha aos sábados".
Como já citado, a região sofria forte influência da igreja católica, de modo que a vizinhança frequentava suas missas; a casa era "uma espécie de vila ou fazenda", onde Machado passou sua infância. Nesta época, José de Alencar tinha apenas 10 anos de idade. Três anos antes do nascimento de Machado, Domingos José Gonçalves de Magalhães publicava Suspiros Poéticos e Saudades, obra que trazia os ideais do Romantismo para a literatura brasileira.Quando Machado tinha apenas um ano de idade, em 1840, decretava-se a maioridade de D. Pedro II, tema que viria a tratar anos mais tarde em Dom Casmurro. Ao completar 10 anos, Machado tornou-se órfão de mãe. Mudou-se com seu pai para São Cristóvão, na Rua São Luís de Gonzaga nº48 e logo o pai se casou com sua madrasta Maria Inês da Silva36 em 18 de junho de 1854. Ela cuidaria do garoto quando Francisco viesse a morrer um tempo depois.Segundo escrevem alguns biógrafos, a madrasta confeccionava doces numa escola reservada para meninas e Machado teve aulas no mesmo prédio, enquanto à noite estudava língua francesa com um padeiro imigrante.Certos biógrafos notam seu imenso e precoce interesse e abstração por livros.
Tudo indica que Machado evitou o subúrbio carioca e procurou a subsistência no centro da cidade.38 Com muitos planos e espírito aventureiro, fez algumas amizades e relacionamentos. Em 1854, publicou seu primeiro soneto, dedicado à "Ilustríssima Senhora D.P.J.A", assinando como "J. M. M. Assis", no Periódico dos Pobres.No ano seguinte, passou a frequentar a livraria do jornalista e tipógrafo Francisco de Paula Brito. Paula Brito era um humanista e sua livraria, além de vender remédios, chás, fumo de rolo, porcas e parafusos,40 também servia como ponto de encontro da sua Sociedade Petalógica (peta=(ê), s. f. 1. Mentira, patranha).Um tempo mais tarde, Machado se referiria à Sociedade da seguinte forma: "Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do Paraná".
No dia 12 de janeiro de 1855, Brito publicou os poemas "Ela" e "A Palmeira" na Marmota Fluminense, revista bimensal do livreiro.Estes dois versos, reunidos junto àquele soneto para a Dona Patronilha, fazem parte da primeira produção literária de Machado de Assis. Aos dezessete anos, foi contratado como aprendiz de tipógrafo e revisor de imprensa na Imprensa Nacional, onde foi protegido e ajudado por Manuel Antônio de Almeida (que anos antes havia publicado sua magnum opus Memórias de um Sargento de Milícias), que o incentivou a seguir a carreira literária.Machado trabalhou na Imprensa Oficial de 1856 a 1858. No fim deste período, a convite do poeta Francisco Otaviano, passou a colaborar para o Correio Mercantil, importante jornal da época, escrevendo crônicas e revisando textos.Durante esta época o jovem já frequentava teatros e outros meios artísticos. Em novembro de 1859, estreava Pipelet, ópera com libreto de sua autoria baseada em The Mysteries of Paris de Eugène Sue e com música de Ferrari. Escreveu ele sobre a apresentação:

"Abre-se segunda-feira, a Ópera Nacional com o Pipelet, ópera em actos, música de Ferrari, e poesia do Sr. Machado de Assis, meu íntimo amigo, meu alter ego, a quem tenho muito affecto, mas sobre quem não posso dar opinião nenhuma."
Pipelet não agrada consideravalmente o público e os folhetinistas ignoram-na.Gioacchino Giannini, que dirigiu a orquestra da ópera, sentiu-se contrariado com a orquestra e escreveu num artigo: "Não falaremos do desempenho de Pipelet. Isso seria enfadonho, horrível e espantoso para quem o viu tão regularmente no Teatro de São Pedro."O final da ópera era melancólico, com o enterro agonizante do personagem Pipelet. Machado de Assis, em 1859, escreveu que "o desempenho da mesma maneira que o primeiro, fez nutrir esperança de uma boa companhia de canto." De fato, o jovem nutria interesse na campanha de construção da Ópera Nacional. No ano seguinte a de Pipelet, produziu um libreto chamado As Bodas de Joaninha, entretanto sua repercussão foi nula.47 Anos mais tarde, registraria a nostalgia do folhetinismo de sua juventude.
Aos 21 anos de idade Machado já era uma personalidade considerada entre as rodas intelectuais cariocas. A esta altura já era conhecido por Quintino Bocaiúva, que o convidou para o Diário do Rio de Janeiro, onde Machado trabalhou intensamente como repórter e jornalista de 1860 a 1867, com Saldanha Marinho supervisionando-o.Colaborou para o Jornal das Famílias sob pseudônimos: Job, Vitor de Paula, Lara, Max, e para a Semana Ilustrada, assinando seu nome ou pseudos, até 1857.Bocaiúva admirava o gosto de Machado pelo teatro, mas considerava suas obras destinadas à leitura e não à encenação.Com a morte do pai, Machado lhe dedica a coletânea de poesias “Crisálidas”: “À Memória de Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis, meus Pais.”
Em 1865, Machado havia fundado uma sociedade artístico-literária chamada Arcádia Fluminense, onde tivera a oportunidade de promover saraus com leitura de suas poesias e estreitar contato com poetas e intelectuais da região. Com José Zapata y Amat, produziu o hino "Cantada da Arcádia" especialmente para a sociedade.Em 1866, escreveu no Diário do Rio de Janeiro: "A fundação da Arcádia Fluminense foi excelente num sentido: não cremos que ela se propusesse a dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foi estabelecer a convivência literária, como trabalho preliminar para obra de maior extensão."Neste ano, Machado escrevia crítica teatral e, segundo Almir Guilhermino, aprendeu a língua grega para se familiarizar cedo com Platão, Sócrates e o teatro grego.De acordo com Valdemar de Oliveira, Machado era "rato de coxia" e frequentador de rodas teatrais junto com José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, e outros.
No ano seguinte, 1867, subiu a escala funcional como burocrata, e no mesmo ano foi nomeado diretor-assistente do Diário Oficial por D. Pedro II.Com a ascensão do Partido Liberal pelo país, Machado acreditava que seria lembrado por seus amigos e que receberia um cargo público que melhoraria sua qualidade de vida, contudo foi em vão. À época de seu serviço no Diário do Rio de Janeiro, teve seus ideais combativos com ideias progressivas; por conta disso seu nome foi anunciado como candidato a deputado pelo Partido Liberal do Império — candidatura que logo retirou por querer comprometer sua vida somente às letras.Para sua surpresa, a ajuda veio novamente de um ato de Pedro II, com a nomeação para o cargo de assistente do diretor, e que, mais tarde, em 1888, lhe condecoraria como oficial da Ordem Da Rosa.
A esta altura já era amigo de José de Alencar, que lhe ensinou um pouco de língua inglesa. Ambos os autores, no mesmo ano, recepcionaram o ambicioso e famoso poeta Castro Alves, vindo da Bahia, na imprensa da Corte do Rio de Janeiro.Machado diria sobre o poeta baiano: "Achei uma vocação literária cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro."Os direitos autorais por suas publicações e crônicas em jornais e revistas, acrescido da promoção que recebera da Princesa Isabel em 7 de dezembro de 1876 como chefe de seção, rendeu-lhe 5.400$000 anuais. menino nascido no morro havia subido de vida. Graças à sua nova posição, mudou do centro da cidade para o Bairro do Catete, na Rua do Catete nº 206, onde morou durante 6 anos, dos 37 até seus 43.
No mesmo ano ao da reunião com o poeta, Machado teria um outro encontro que mudou de vez a sua vida. Um de seus amigos, Faustino Xavier de Novaes (1820-1869), poeta residente em Petrópolis, e jornalista da revista O Futuro, estava mantendo sua irmã, a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, desde 1866 em sua casa, quando ela chegou ao Rio de Janeiro do Porto.Segundo os biógrafos, veio a fim de cuidar de seu irmão que estava enfermo,64 enquanto outros dizem que foi para esquecer uma frustração amorosa. Carolina despertara a atenção de muitos cariocas; muitos homens que a conheciam achavam-na atraente, e extremamente simpática. Com o poeta, jornalista e dramaturgo Machado de Assis não fora diferente. Tão logo conhecera a irmã do amigo, logo apaixonou-se. Até essa data o único livro publicado de Machado era o poético Crisálidas (1864) e também havia escrito a peça Hoje Avental, Amanhã Luva (1860), ambos sem muita repercussão. Carolina era cinco anos mais velha que ele; deveria ter uns trinta e dois anos na época do noivado.Os irmãos de Carolina, Miguel e Adelaíde (Faustino já havia morrido devido a uma doença que o levou à insanidade), não concordaram que ela se envolvesse com um mulato.Contudo, Machado de Assis e Carolina Augusta se casaram no dia 12 de Novembro de 1869.

Diz-se que Machado não era um homem bonito, mas era culto e elegante.54 Estava apaixonado por sua "Carola", apelido dado pelo marido. Entusiasmava a esposa com cartas românticas e que previam o destino dos dois; durante o noivado, em 2 de março de 1869, Machado havia escrito uma carta íntima que dizia: "...depois, querida, ganharemos o mundo, porque só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis."Suas cartas endereçadas a Carolina são todas assinadas como "Machadinho".Outra carta justifica uma certa complexidade no começo de seu relacionamento: "Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida", o que é um mistério para os recentes estudiosos das correspondências do autor.A carta do primeiro trecho aqui transposto traz uma alusão às flores que a esposa lhe teria mandado e ele, agradecido, teria as beijado duas vezes como se beijasse a própria Carolina.

Noutro parágrafo, diz: "Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar."De fato, Carolina era extremamente culta.Apresentou a Machado os grandes clássicos portugueses e diversos autores da língua inglesa.A sobrinha-bisneta de Carolina, Ruth Leitão de Carvalho Lima, sua única herdeira, revelou numa entrevista de 2008 que, frequentemente, a esposa retificava os textos do marido durante sua ausência. Conta-se que muito provavelmente tenha influenciado no modo de Machado escrever e, consecutivamente, tenha contribuído para a transição de sua narrativa convencional à realista (ver Trilogia Realista).Não tiveram filhos.Tinham, no entanto, uma cadela tenerife (também conhecidos como Bichon Frisé) chamada Graziela e que certa vez se perdeu entre as ruas do bairro e, atônitos, foram achá-la dias depois na rua Bento Lisboa, no Catete.
Depois do Catete, foram morar na casa nº 18 da Rua Cosme Velho (a residência mais famosa do casal), onde ficariam até a morte. Do nome da rua surgira o apelido Bruxo do Cosme Velho, dado por conta de um episódio onde Machado queimava suas cartas em um caldeirão, no sobrado da casa, quando a vizinhança certa vez o viu e gritou: "Olha o Bruxo do Cosme Velho!"Essa história acrescida à da cachorra, para alguns biógrafos, não passa de lenda.Machado de Assis e Carolina Augusta teriam vivido uma "vida conjugal perfeita" por longos 35 anos.Quando os amigos certa vez desconfiaram de uma traição por parte de Machado, seguiram-no e acabaram por descobrir que ele ia todas as tardes avistar a moça do quadro de A Dama do Livro (1882), de Roberto Fontana.Ao saberem que Machado não podia comprá-lo, deram-lhe de presente, o que o deixou particularmente feliz e grato.

No entanto, talvez a "única nuvem negra a toldar a sua paz doméstica" tenha sido um possível caso extraconjugal que tivera durante a circulação de Memórias Póstumas de Brás Cubas.Em 18 de novembro de 1902, reverte a atividade na Secretaria da Indústria do Ministério da Viação, Indústria e Obras Públicas, como diretor-geral de Contabilidade, por decisão do ministro da Viação, Lauro Severiano Müller.Em 20 de outubro de 1904, Carolina morre aos 70 anos de idade.Foi um baque na vida de Machado, que passou uma temporada em Nova Friburgo.Segundo o biógrafo Daniel Piza, Carolina comentava com amigas que Machado deveria morrer antes para não sofrer caso ela partisse cedo.Seu casamento com Carolina fez com que ela estimulasse seu lado intelectual deficiente pelos poucos estudos a que tinha realizado na juventude e trouxe-lhe a serenidade emocional que ele tanto precisava por ter saúde frágil.As três heroínas de Memorial de Ayres chamam-se Carmo, Rita e Fidélia, o que estudiosos crêem representar três aspectos da Carolina, a "mãe", "irmã" e "esposa". Machado também lhe dedicou seu último soneto, "A Carolina", em que Manuel Bandeira afirmaria, anos mais tarde, que é uma das peças mais comoventes da literatura brasileira.De acordo com alguns biógrafos o túmulo de Carolina era visitado todos os domingos por Machado.
Inspirados na Academia Francesa, Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça, e o grupo de intelectuais da Revista Brasileira idearam e fundaram, em 1897, junto ao entusiasmado e apoiador Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras, com o objetivo de cultuar a cultura brasileira e, principalmente, a literatura nacional.Unanimente, Machado de Assis foi eleito primeiro presidente da Academia logo que ela havia sido instalada, no dia 28 de janeiro do mesmo ano.Como escreve Gustavo Bernardo, "Quando se fala Machado fundou a Academia, no fundo o que se quer dizer é que Machado pensava na Academia. Os escritores a fundaram e precisaram de um presidente em torno do qual não houvesse discussão."No discurso inaugural, Machado aconselhou aos presentes: "Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira.
A Academia surgiu mais como um vínculo de ordem cordial entre amigos do que de ordem intelectual. No entanto, a ideia do instituto não foi bem aceita por alguns: Antônio Sales testemunhou numa página de reminiscência: "Lembro-me bem que José Veríssimo, pelo menos, não lhe fez bom acolhimento. Machado, creio, fez a princípio algumas objeções."86 Como presidente, Machado fazia sugestões, concordava com ideias, insinuava, mas nada impunha nem impedia aos companheiros.Era um acadêmico assíduo. Das 96 sessões que a Academia realizou durante a sua presidência, faltou somente a duas.Em 1901, criou a "Panelinha" para a realização de festivos ágapes e encontros de escritores e artistas, como a da fotografia acima.De fato, a expressão panelinha foi inventada destes encontros, onde os convidados eram servidos em uma panela de prata, motivo pelo qual o grupo passou a ser conhecido como Panelinha de Prata.Machado devotou-se ao cargo de presidente da Academia durante 10 anos, até a sua morte.Como homenagem informal, ela passou a chamar-se "Casa de Machado de Assis". Hoje em dia a Academia abriga coleções de Olavo Bilac e Manuel Bandeira, e uma sala chamada de Espaço Machado de Assis, em homenagem ao autor, que se dedica a estudar sua vida e obra e que guarda objetos pessoais seus; além disso, a Academia possui uma rara edição de 1572 de Os Lusíadas.As sucessões e o posto de Machado de Assis em relação à Academia foram os seguintes:

Precedido por
José de Alencar
(patrono) Lorbeerkranz.png ABL - fundador da cadeira 23
1897 — 1908 Sucedido por
Lafayette Rodrigues Pereira
Precedido por
Criação da Academia Brasileira de Letras Presidente da Academia Brasileira de Letras
1897 — 1908 (morte) Sucedido por
Rui Barbosa
Com a morte da esposa, entrou em profunda depressão, notada pelos amigos que lhe visitavam, e, cada vez mais recluso, encaminhou-se também para sua morte. Numa carta endereçada ao amigo Joaquim Nabuco, Machado lamenta que "foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo [...]"Antes de sua morte, em 1908, e depois da morte da esposa, em 1904, Machado viu publicar suas últimas obras: Esaú e Jacó (1904), Memorial de Aires (1908), e Relíquias da Casa Velha (1906). No mesmo ano desta última obra, escreveu sua última peça teatral, Lição de Botânica. Em 1905, participou de uma sessão solene da Academia para a entrega de um ramo de carvalho de Tasso, remetido por Joaquim Nabuco.Com Relíquias, reuniu em livro mais algumas de suas produções, como também o soneto "A Carolina", "preito de saudade à esposa morta."Em 1907, dá início ao seu último romance, Memorial de Aires, que é um livro norteado por uma poesia leve e tranquila e tendente à saudade.

Mesmo abalado, continuava lendo, trabalhando, estudando, frequentando algumas rodas de amigos. Em seus últimos anos, teria iniciado estudos da língua grega,embora outros autores apontam que tentava se familiarizar com ela desde cedo.No primeiro dia de julho de 1908, Machado de Assis entra em licença para tratamento de saúde, e nunca mais retorna ao Ministério da Viação. Personalidades ilustres, como o Barão do Rio Branco, e intelectuais ou colegas, vão visitá-lo.Em um documento manuscrito do mesmo ano, Mário de Alencar escreve, amargamente: "Venho da casa de Machado de Assis, por onde estive todo o sábado, ontem e hoje, e agora estou sem ânimo de continuar a ver-lhe o sofrimento; tenho receio de assistir ao fim que eu desejo não tarde. Eu, seu amigo e seu admirador grande, desejo que ele morra, mas não tenho coragem de o ver morrer."

Em 1906 escreveu seu último testamento. O primeiro, escrito em 30 de junho de 1898, deixava todos seus bens à esposa Carolina.Com a morte desta, pensou numa partilha amigável com a irmã de Carolina, Adelaide Xavier de Novais, e sobrinhos, efetuando este segundo e último testamento em 31 de maio de 1906, instituindo sua herdeira única "a menina Laura", filha de sua sobrinha Sara Gomes da Costa e de seu esposo major Bonifácio Gomes da Costa, nomeado primeiro testamenteiro.96 Em suas últimas semanas, Machado de Assis escreveu cartas a Salvador de Mendonça (7 de setembro de 1908), a José Veríssimo (1 de setembro de 1908), a Mário de Alencar (6 de agosto de 1908), a Joaquim Nabuco (1 de agosto de 1908), a Oliveira Lima (1 de agosto de 1908), entre outros, demonstrando ainda estar lúcido.
Às 3h20m de 29 de setembro de 1908 na casa de Cosme Velho, Machado de Assis morre aos sessenta e nove anos de idade com uma úlcera canceriosa na boca; sua certidão de óbito relata que morrera de arteriosclerose generalizada, incluindo esclerose cerebral, o que, para alguns, figura questionável pelo motivo de mostrar-se lúcido nas últimas cartas já relatadas.Ao geral, teve uma morte tranquila, cercado pelos companheiros mais íntimos que havia feito no Rio de Janeiro: Mário de Alencar, José Veríssimo, Coelho Neto, Raimundo Correia, Rodrigo Otávio, Euclides da Cunha, etc.Este último relatou, no Jornal do Comércio, no mesmo ano do falecimento: "Na noite em que faleceu Machado de Assis, quem penetrasse na vivenda do poeta, em Laranjeiras, não acreditaria que estivesse tão próximo o desenlace de sua enfermidade."Euclides ainda escreveu: "Na sala de jantar, para onde dizia o quarto do querido mestre, um grupo de senhoras – ontem meninas que ele carregara no colo, hoje nobilíssimas mães de família – comentavam-lhe os lances encantadores da vida e reliam-lhe antigos versos, ainda inéditos, avaramente guardados em álbuns caprichosos."

Em nome da Academia Brasileira de Letras, Rui Barbosa encarregou-se de fazer-lhe o elogio fúnebre.Em nome do governo, o então ministro do interior Tavares de Lyra discursou em pesar da morte do escritor.O velório ocorreu no Syllogeu Brasileiro da Academia; seu corpo no caixão, como relatara Nélida Piñon, "cercava-se de flores, círios de prata e lágrimas discretas."O rosto estava coberto por um lenço de cambraia e eram muitas pessoas presentes. Diversas pessoas, entre elas vizinhos, e companheiros de rodas intelectuais, ou amigos, ou colegas com que trabalhou, encheram o saguão.No mesmo discurso, Nélida comparou a despedida do autor como Paris que seguia o cortejo de Victor Hugo.De fato, uma multidão saía da Academia e sustentava o caixão do autor até o Cemitério São João Batista, enquanto outros acompanhavam de carro.100 Segundo sua vontade, foi enterrado na sepultura da esposa Carolina, jazigo perpétuo 1359.A Gazeta de Notícias e o Jornal do Brasil deram uma grande cobertura à morte, ao funeral e ao enterro de Machado.Em Lisboa, todos os jornais da cidade publicaram uma biografia de Machado de Assis, anunciando sua morte.Em 21 de abril de 1999, os restos mortais do casal foram transladados para o Mausoléu da Academia, no mesmo cemitério, onde também estão os restos de personalidades como João Cabral de Melo Neto, Darcy Ribeiro e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.

terça-feira, 19 de maio de 2015

José Mauro de Vasconcelos

José Mauro de Vasconcelos (Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1920 — São Paulo, 24 de julho de 1984) foi um escritor brasileiro.
José Mauro nasceu de família nordestina, que migrara para São Paulo. Os pais tinham tão poucos recursos que ele, ainda criança, teve de se transferir para a Nordeste, onde foi criado pelos tios em Natal.

Ingressando na Faculdade de Medicina da capital potiguar, abandona o curso no segundo ano, retornando ao Rio de Janeiro a fim de conseguir melhores oportunidades. Ali, trabalha como carregador de bananas numa fazenda do litoral do estado, instrutor de boxe, e, devido ao belo porte físico, até como modelo pictórico. Há uma estátua sua, do escultor Bruno Giorgi, no Monumento à Juventude, na antiga sede do Ministério da Educação. Em São Paulo, foi garçom de boate. Obteve uma bolsa de estudos na Espanha, mas não suportou a vida acadêmica. Abandonou os estudos depois de uma semana, preferindo correr a Europa. A atividade mais importante que exerceu foi junto aos irmãos Villas-Bôas pelos rios da região do Araguaia, conhecendo o ambiente inóspito e lutando pelos índios.

Estava amadurecido o homem José Mauro, e o resultado disso foi seu livro de estreia, o romance Banana Brava, de 1942, onde reflete o mundo dos homens do garimpo. Mas a obra não alcançou bons resultados na época, apesar de algumas críticas favoráveis. Rosinha, Minha Canoa, de 1962, marca seu primeiro sucesso. No livro Meu Pé de Laranja Lima, de 1968, seu maior sucesso editorial, serve-se de sua experiência pessoal para retratar o choque sofrido na infância com as bruscas mudanças da vida. Foi escrito em apenas doze dias.
José Mauro de Vasconcelos tinha nas veias sangue de índia e de português. Nasceu em Bangu, bairro do Rio de Janeiro, e passou a infância em Natal, onde foi criado com muito sol e muita água. Aos nove anos de idade aprendeu a nadar, e com prazer relembrava os dias de contentamento, quando se atirava às águas do Potengi, quase na boca do mar, a fim de treinar para as provas de grande distância. Com frequência ia mar adentro, protegido por uma canoa, porque a barra de Natal estava sempre infestada de tubarões. Ganhou vários campeonatos de natação e, como todo garoto, gostava de futebol e de trepar em árvores.

Mas o esporte não constituía sua única preocupação. Depois do primário, aos 10 anos de idade já cursava o primeiro ano do curso ginasial, que terminou cinco anos mais tarde. Nessa época, já gostava dos romances de Graciliano Ramos, Paulo Setúbal e José Lins do Rego.
Depois do ginásio, os estudos de José Mauro como autodidata foram sempre feitos à base de trabalho. Seu primeiro emprego, dos dezesseis aos dezessete anos, foi treinador de peso-pluma; recebia 100 cruzeiros (velhos) por luta no Rio de Janeiro, pois aos quinze anos saíra de Natal para ganhar o mundo. No Estado do Rio, trabalhou numa fazenda em Mazomba, perto de Itaguaí, carregando banana. Depois, foi viver como pescador no litoral fluminense, onde não não ficou por muito tempo, partindo em seguida para o Recife. Ali, exerceu o cargo de professor primário num núcleo de pescadores. Da capital pernambucana, José Mauro saiu para começar incessante vai-vem, do Norte ao Sul, e vice-versa, permanecendo um pouco em cada lugar, para em seguida enveredar pelo sertão e viver entre os índios.

Dotado de prodigiosa capacidade inata de contar histórias, possuindo fabulosa memória, candente imaginação e com uma volumosa experiência humana, José Mauro não quis ser escritor, foi obrigado a sê-lo. Os seus romances, como lavas de um vulcão, foram lançados para fora, porque transbordava de emoções. Ele tinha de escrever e de contar coisas.

O autor de belos romances tinha método originalíssimo. De início, escolhia os cenários onde se movimentarão seus personagens. Transportava-se então para o local, onde realizava estudos minuciosos. Para escrever Arara Vermelha, percorreu cerca de 450 léguas no sertão bruto.Em seguida, José Mauro dava asas à sua fantasia e, na imaginação, construía todo o romance, determinando até mesmo as frases da dialogação. Tinha uma memória que, durante longo tempo, lhe per­mitia lembrar dos mínimos detalhes do cenário estudado. "Quando a história está inteiramente feita na imaginação", revelava o escritor, "é que começo a escrever. Só trabalho quando tenho a impressão de que o romance está saindo por todos os poros do corpo. Então vai tudo a jato".

Escrevo meus livros em poucos dias. Mas em compensação passo anos ruminando ideias. Escrevo tudo a máquina. Faço um capítulo inteiro e depois é que releio o que escrevi. Escrevo a qualquer hora, de dia ou de noite. Quando estou escrevendo entro em transe. Só paro de bater nas teclas da máquina quando os dedos doem. Só aí percebo quanto trabalhei. Sou um cara capaz de varar dias escrevendo até a exaustão.
Com o seu sistema de ficar dormindo na pontaria até que o livro todo estivesse "escrito" na imaginação, contava José Mauro que, ao pôr-se em ação, na fase material de bater à máquina, tanto fazia escrever os capítulos, um após outro, como dar saltos. "Isso", explicava o escritor, "porque todos os capítulos estão já produzidos cerebralmente. Pouco importa escrever a seqüência, como alterar a ordem. No fim dá tudo certinho".
Artista do cinema e da televisão, José Mauro trabalhou em diversos filmes, como Modelo 19, que lhe valeu o prêmio Saci como melhor ator coadjuvante, Fronteiras do Inferno,Floradas na Serra, Canto do Mar, do qual escreveu o roteiro, Na Garganta do Diabo, obtendo o prêmio Governador do Estado como melhor ator, A Ilha, conseguindo o prêmio de melhor ator pela Prefeitura, e culminando com Mulheres & Milhões, sendo laureado com o Saci de melhor ator do ano. Dos seus livros, Meu Pé de Laranja Lima, Vazante e Arara Vermelha foram filmados, assim como "Rua Descalça".

Conquanto dono de uma literatura leve e agradável, tendo feito grande sucesso junto ao público, a importância do trabalho de José Mauro não é devidamente reconhecida no Brasil.
A crítica francesa Claire Baudewyns afirma que há em suas obras algo "qui confère aux œuvres de José Mauro de Vasconcelos une poésie particulière née de l’alchimie entre monde réel et monde imaginaire." ("que confere às obras de José Mauro de Vasconcelos uma poesia particular, nascida da alquimia entre o mundo real e o mundo imaginário"3, numa tradução livre)
José Mauro de Vasconcelos morreu de broncopneumônia, em 24 de julho de 1984, aos 64 anos,em São Paulo.